sábado, 19 de novembro de 2011

A Fotografia em Preto&Branco


A fotografia nasceu em inícios do século XIX e, desde então, sofreu alterações profundíssimas que a conduziram através de um caminho que se traduziu em maior qualidade e economia de meios. Desde o velhinho daguerreótipo – que se caracteriza por ser um processo fotográfico, mas sem imagem negativa – até às modernas fotografias coloridas digitais da actualidade, muitas transformações ocorreram. Pelo caminho ficaram os rolos, as Kodacs, a Polaroid, os cubos mágicos, entre muitas outras pérolas do mundo mágico da fotografia.

A fotografia a preto e branco, por estranho que possa parecer, não foi erradicada pelo advento da cor; muito pelo contrário, ganhou raízes mais fortes em contraponto com esta e compreendeu-se que nunca poderia desaparecer, pois possuía características que a fotografia colorida não possui – mesmo a digital.

O que a torna, então, tão diferente e resistente à passagem do tempo, das modas e das vontades? A fotografia P/B é amplamente usada por fotógrafos profissionais e amadores nas mais diversas situações, nomeadamente na captação de imagens que representem rostos envelhecidos, mulheres, crianças, nus, paisagens e, ainda, casamentos. Porquê esta selecção? Os itens enumerados representam, todos eles, situações que envolvem, de alguma forma, romantismo, saudade, poesia, sensualidade, enigma. E o preto e branco serve simplesmente como meio mais célere para se conseguir obter o efeito desejado. A ausência de cromatismo «empurra» o observador para outros aspectos da fotografia e obriga-o a um olhar mais demorado sobre, por exemplo, a sensualidade que esta exala, os jogos de luz e sombra provocados pelo objecto/ser fotografado, as texturas que assim ganham uma maior evidência, etc.
 
Por outro lado, os filmes P/B possuem uma maior riqueza de tons, comparativamente aos melhores filmes coloridos – significa isto que
a realidade se torna, assim, mais real! O P/B também se tornou, pelo tempo em que a chegada da cor o asfixiou, numa opção alternativa, marginal, artística. Esta arte tem origem na observação de uma imagem que, por estar captada a preto e branco, se torna mais abstracta e, logo, obriga o espectador a um maior esforço de conversão da imagem em algo diferente – poesia fotográfica. A ausência de cores desperta também um maior saudosismo e uma paleta monocromática sugere intemporalidade, eternidade e infinito. Talvez por estas razões, tantos casamentos do século XXI tenham vindo a ser fotografados em P/B: todos os noivos desejam que o seu casamento seja eterno e nada melhor do que a fotografia a preto e branco para captar momentos que ficarão gravados em papel durante mais de 200 anos – o tempo de duração de uma fotografia P/B (as coloridas duram apenas 100 anos).

Aposte no P/B e capte imagens inesquecíveis!

Autor:Isabel Rodrigues



 A fotografia é algo que encanta pela riqueza de idéias e sentimentos que nos proporcionam através da captação de uma camada da realidade vislumbrada pelo fotografo, é o estático em movimento num exalar constante de novas impressões..... Gosto bastante das fotografias em preto e branco pela atmosfera que essa modalidade imprime... então Só por Hoje, deixo que as fotografias falem pois como Maleski disse "O escritor e o fotógrafo utilizam as mesmas ferramentas, mas enquanto um descreve uma imagem com mil palavras o outro descreve mil palavras com uma imagem."






Picasso diz que "Quando vemos o que pode ser expresso pela foto, nos damos conta de que tudo aquilo não pode mais ser  preocupação da pintura...
Por que o artista insistiria em realizar aquilo que, com a  ajuda da objetiva, pode ser tão bem feito? 
Seria uma loucura, não? A fotografia chegou na hora certa  para liberar a pintura de qualquer literatura, anedota e 
arte do tema. Em todo caso, um certo aspecto do tema pertence, daqui por diante, ao campo da fotografia... 
Não deveriam os pintores aproveitar sua liberdade reconquistada para fazer outra coisa? Seria muito curioso fixar fotograficamente, não as etapas de um quadro, mas suas metamorfoses. Talvez percebêssemos por quais caminhos o cérebro envereda para a concretização de seus sonhos. Entretanto, é realmente muito curioso observar que, no fundo, o quadro não muda, que a visão inicial permanece quase intacta, apesar das aparências. Muitas vezes vejo uma luz e uma sombra que pus no meu quadro e empenho-me em quebrá-las, acrescentando uma cor que crie um efeito contrário. Quando essa obra é fotografada, percebo que aquilo que havia introduzido para corrigir minha primeira visão desaparece, e que, definitivamente, a imagem dada pela fotografia corresponde a minha primeira visão, antes das transformações trazidas contra minha vontade.''






Ivan Lima diz que “A fotografia, antes de tudo é um testemunho. Quando se aponta a câmara para algum objeto ou sujeito, constrói-se um significado, faz-se uma escolha, seleciona-se um tema e conta-se uma história, cabe a nós, espectadores, o imenso desafio de lê-Ias". Amigos meus que fotografam sabem bem do capital artístico das fotografias, as fotos a seguir são de um amigo que quer dizer muito com tudo aquilo que ele capta... São de Antonio Ferreira...









"Fotografar é desenhar, utilizando a luz como pincel, a natureza como tinta e o filme como tela, podendo assim imortalizar aquela imagem ou momento escolhido, enquanto o mundo segue em contínua mutação.
O pôr- do-sol é um momento fugaz, porém mágico , onde a luz que nós permite ver e manifestar a vida, se expõe como entidade e mostra a sua "cara", numa linda bola de fogo, suspensa no horizonte, podendo ter várias molduras e múltiplas tonalidades. Basta querer enxergar, e quem sabe um dia finalmente ver, que tudo, inclusive nós mesmos, é fruto desta luz, e que dela viemos e para ela retornaremos." 
(Dr. Dimos Iksilara)


"Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência."

(Clarice Lispector)




sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Proposta alguma...


Os dias continuam seguindo em direção a um não sei o que, o tempo não parou, o mundo não parou, tudo continuou, ninguém esperou eu juntar os cacos e de tão rápido, alguns cacos se perderam na estrada, e o tempo mudou, ou fui eu? Ou foram ambos? Faltam pedaços, faltam conexões, e é incrível, ninguém nunca disse como seria e em meus devaneios mais mórbidos sequer senti um fragmento, é novo. É como se, se desvelasse um peso, um peso quase que insustentável no que se propõe o viver, exatamente por não ter proposta alguma, e tudo me parece contra-senso.

Senti desvanecer parte de mim, parte do que me fazia forte, quando a morte do jeito mais insólito ergueu sua foice, sentenciou o deslocamento do ser para o não ser, e se impregnou em cada detalhe, mesmo no mais alegre havia a marca, mesmo nos mais belos sorrisos, em tudo, em cada canto que a vista mirasse lá estava sua marca pregada no ar, nos pensamentos. E um vazio ácido, um sem sentido insuportável lateja, uma vez que aquilo que os antigos diziam como justiça, a morte como justiça pela corrupção de um ser primeiro no imperfeito temporal, me parece ser marca da ânsia de explicar o que não se explica, a sentença incognoscível. A morte é o prazo latente em cada um, a potência da vida......
Ferreira


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

C.R.A.Z.Y, vale assistir.

C.R.A.Z.Y - Loucos de amor



Sinopse: Esta é uma história de dois casos de amor. Um amor de um pai pelos seus cinco filhos e o amor de um filho pelo pai. Um amor tão forte capaz de fazê-lo viver uma mentira. Uma mística fábula sobre os dias modernos, C.R.A.Z.Y expõe a beleza, poesia e loucura do espírito humano e todas as suas contradições. O filho, Zac Beaulieu, nascido em 25 de dezembro de 1960, é diferente de todos os irmãos e tenta desesperadamente encaixar-se. Durante 20 anos, a vida o guiará por caminhos inesperados e surpreendentes, levando-o a aceitar sua verdadeira natureza e, ainda mais importante, levando seu pai a amá-lo como realmente é.

           
C.R.A.Z.Y. um ótimo filme, para se pensar as relações entre a família, embates psicológicos, sexualidade e como essas relações são importantes na construção do indivíduo. Filme intimista e com uma trilha sonora incrível. 

Aí vai uma análize do filme por Suely Engelhard:


ANÁLISE DO FILME C.R.A.Z.Y. NUMA PERSPECTIVA SISTÊMICA – SIMBÓLICA
Autoria: Suely Engelhard (psicóloga, analista, terapeuta de família. CAAPSY, ATF-RJ, ABRATEF, SBPA, IAAP) Título original: C.R.A.Z.Y. Direção: Jean Marc Valée Elenco: Marc-André Grondin, Michel Côté, Danielle Prouix


SINOPSE
O título é composto das iniciais de cinco irmãos, todos os homens, de uma família conservadora de classe média canadense. O filme começa com o nascimento do quarto deles, Zach, em 1960, e acompanha os 20 anos seguintes, marcados pelas dúvidas quanto à própria sexualidade e por uma relação difícil, mas afetuosa com o pai, com quem compartilha a paixão pela música.
Jean-Marc Vallée levou em torno de 10 anos para concluir o roteiro de C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor, que foi baseado nas memórias de infância do co-roteirista François Boulay.

Crazy, crazy for feeling so lonely...

A sutileza deste tema: estar só, ser só, se sentir só...

O fato de se ser único, especial, leva a pessoa a se sentir estar/ser excluído do todo. Ter o dom é ao mesmo tempo um diferencial e uma separação. Zach é o diferente: nascer com a marca, num dia especial quando se comemora o nascimento de Cristo, o filho encarnado de Deus, sobreviver a um parto difícil sem seqüelas e a um tombo “sem intenção” provocado pela impulsividade de seu “ irmão- Inimigo” faz a diferença.

O tema base desta história familiar é o da tensão entre estar/ser contido em e ser a parte de sua matriz familiar, o que se amplia para seu universo relacional social. Zach, devoto da Virgem, é para sua mãe o ungido, capaz de curas quando h| sangramento ou queimadura. Para seus irmãos é o “bicha”, o “protegido”, o “preferido” e, portanto, o excluído da fratria entre os mais velhos. Zach é o que está sempre à parte.

Sensível, tem a asma da mãe e a teimosia e o amor pela música do pai. Para ele o pai é seu herói, seu ídolo e com quem mantinha uma cumplicidade e aliança especial, o que mais uma vez o diferenciava e separava dos irmãos.

Mas esta aliança se quebra quando o pai o vê travestido como sua mãe, cuidando de seu irmão Yvan. A partir disso Zach torna-se para ele “O Problema da Família”. A recomposição desta aliança só se dar| muitos anos depois, quando, em suas próprias palavras, “o tempo” ajuda a tudo encontrar uma acomodação.

Com a cisão desta cumplicidade Zach aproxima-se mais da mãe pela fé. Partilham sensações sincronísticas, pois como sua relação é guiada pela força da Criança Divina, do portador da salvação, forma-se entre eles uma coalizão, isto é, uma total indiferenciação eu-outro que os torna uníssonos nas percepções e vivências emocionais.

É este símbolo irracional que guia as inter-relações afetivas da díade mãe-filho neste sistema, e que traz inúmeras compensações e correções ao que se encontra inconsciente nesta família.
Zach é o quarto filho vivo e o sétimo dentre todos. Seu “irmão-inimigo” Raymond é o segundo entre os vivos e o quinto entre todos.

A simbólica dos números diz que o número dois traz a questão da oposição e do conflito, das ambivalências e dos desdobramentos. Primeira e mais radical das divisões era, na antiguidade, atribuído à mãe, designando o princípio feminino. Já o número cinco representaria a união, o centro, o algarismo da hierosgamia, da união do céu-pai (3) com a terra-mãe (2). Representa o humano: os braços, distendidos em forma de cruz, o peito, o centro, a cabeça e as pernas.

O número quatro representa desde a mais remota antiguidade o símbolo do sólido, do tangível, do sensível. Associado à cruz concebe a noção da plenitude incomparável, da totalidade e da universalidade. Determina o que é criado e revelado e ao mesmo tempo perecível. O número sete simboliza um ciclo de completude, a perfeição dinâmica. Associando o 4, que simboliza a terra e seus quatro pontos cardeais com o 3, que simboliza o céu, temos o 7 representante da totalidade do Universo em movimento. Chave do Apocalipse traz em si uma ansiedade, pois indica a passagem do conhecido para o desconhecido: que ciclo findou? Qual será o seguinte? Para os hebreus é o símbolo da totalidade humana, ao mesmo tempo macho e fêmea. União dos contrários e insígnia da fecundidade.

Zach e Raymond são opostos um ao outro sendo ambos dominados pela dinâmica emocional de coalizão com a figura materna. Raymond tinha com a mãe uma relação de caráter dependente- erotizante, constelando-se nele o dom-juanismo e a dependência química. Já em Zach esta identificação implica em sua homossexualidade duramente negada e sofridamente assumida.

Segundo Jung as crianças só apresentam desenvolvimento neurótico quando existem causas perturbadoras e distúrbios na vida inconsciente de seus antepassados: avós, pais, e principalmente mãe. O complexo materno no filho é uma conjugação entre a elaboração indiferenciada do feminino tanto na mãe como no pai.

Esta conjugação fica muito clara na família em questão. Junto a uma mulher parideira, extremamente religiosa e que estabelecia relações secretas com seus filhos prediletos, havia um pai sensível, com desejos sexuais que conflitavam com os de sua parceira, com certos comportamentos narcísicos, adorando ser pai, mas, sendo muito pouco gerenciador da dinâmica patriarcal masculina na educação dos filhos.

Zach tem seu componente heterossexual preso, de modo inconsciente, não só à figura da mãe, como ao componente feminino narcísico do pai. Enquanto Raymond as procura (mãe e feminino narcísico paterno) nas drogas e em cada nova mulher com quem se relaciona sexualmente.

O momento de contato de Raymond com a morte, a última “mulher” com quem “transa”, é captado inconscientemente tanto pela mãe, quanto por Zach. Ele morre por uso de droga injetável, que metaforicamente é o retorno à nutrição fetal, o regresso ao ventre materno. Raymond sim era o verdadeiro problema da família.
Quando o verdadeiro problema se apresenta, isto é, quando a “falsa crise” se decompõe para a crise verdadeira eclodir, a família se transforma. Zach como portador da clareza, como amplificador da consciência desta família, ajuda-a a vencer seu estado de ignorância e inconsciência.

Mas ser este que tem um saber além do status quo vigente, o torna um ser solitário no mundo. Na sua saga, vive todas as etapas do mito da criança divina:

1) O abandono: um conflito doloroso, aparentemente sem saída para a consciência; mas há o pressentimento do encontro de um conteúdo importante, mas desconhecido, que “abre” caminho e “fascina” a consciência.

2) A invencibilidade: constantes ameaças e exposição a situações de perigo de morte e extinção, mas com surpreendente força que ultrapassa o que conhecemos conscientemente. São uma força que abrange a natureza viva, as forças instintivas naturais que impulsionam a realização do ser. Isto se anuncia nos atos “milagrosos” da criança-herói e depois no seu comportamento serviçal, onde ainda ocupa um papel insignificante.

3) O hermafrodita: natureza bissexual, numa união dos opostos mais estranhos e mais fortes. Símbolo unificador aponta para o futuro, para o que precisa ser atingido. Significado vital de superador de conflitos, de portador da cura, de ponte entre a consciência do momento e a totalidade instintiva inconsciente. Surgem símbolos que mostram o redondo, o círculo e a esfera.

4) A criança como começo e fim: simboliza a essência humana em seu estado pré-consciente, da primeira infância, como pós-consciente, a vida além da morte. Existência a priori do potencial de inteireza. A vida anímica que se encontra em potencial na criança continua se expressando no adulto em ações e palavras que muitas vezes só mais tarde ele vem a entender o significado, podendo mesmo até que este se perca. Isto mostra o quanto nós nos conhecemos insuficientemente.

5) Unidade e pluralidade: unidade como síntese de sua integração e desenvolvimento ou como, no estágio da pluralidade, um eu que só se experimenta no campo da família ou nação: identificação inconsciente com o grupo, como a que se dá, por exemplo, na Igreja, onde o indivíduo é membro de seu corpus mysticum.

6) A criança-deus e a criança-herói: o primeiro é sobrenatural e o segundo é humano, mas elevado a categoria semidivina. Dá-se um nascimento “milagroso”, mas repleto de adversidades. O motivo do abandono fala dos diversos obstáculos que o meio ambiente coloca e que ele terá que enfrentar e ultrapassar, com ameaça a sua própria singularidade.

Segundo Jung:

O tema “menor do que o pequeno e no entanto maior do que o grande” complementa a impotência da ‘criança’ com os seus feitos igualmente maravilhosos. Este paradoxo pertence { essência do herói e perpassa como um fio vermelho todo o seu destino. Ele enfrenta o maior perigo, mas no entanto sucumbe a algo insignificante... ( Jung OC vol. IX/1:167§283)

A vida nos exige que cumpramos as diferentes etapas do ciclo vital. Zach enquanto identificado com o complexo materno consegue ter um senso estético e certo tato nas relações com as mulheres, podendo criar relações amistosas e afetuosas. Mas jamais poderá ter com elas complementação erótica.

Com sua amiga Michelle pode viver a experiência do sexo e amor heterossexual, sem, entretanto, ter competência para sustentar esta diferenciação e completar-se. Ao lhe pedir desculpas por não ser ela sua escolha de vida, é recebido com um abraço aconchegante de respeito, carinho e cumplicidade. Michelle continuaria a amá-lo, como ele a ela, só que não seria possível tecerem laços de anseios sexuais.

Zach faz seu caminho solitário numa peregrinação mística dentro de si, ao fazer a Via Crucis, o caminho do sacrifício de Cristo em Jerusalém. Torna-se respons|vel por sua “descoberta” e revelação.
Num primeiro momento em sua vida, quando indo ao analista este interpreta seu conflito como um ato-falho, dizendo-lhe que precisava que seu pai aceitasse sua homossexualidade para ele mesmo aceitá-la, sua defesa de negação é reforçada pela de seu pai. Era impossível neste momento aceitar esta revelação, feita por um representante do princípio masculino. Mas atualmente não há como fugir ou negar.

Se em outros momentos de sua vida se impôs sacrifícios e penitências para vencer o que não havia como vencer, agora que não pode mais negar a aceitar ser quem realmente é a busca de sua alma de ir ao mais profundo de sua natureza, não o leva à morte. Embora fique muito próximo do limiar do não ser, o que se dá é um “batismo” pelo encontro como seu outro, o Nômade arabe, suas mulheres e sua moto, tão semelhante a Raymond.

Nesse renascimento Zach sai do caminho de identificação com o grupo e pode então se transformar ritualisticamente. Na verdade ele foi tocado por algo que vindo de fora encontrou correspondência em sua alma que, por sua vez, se abriu e foi ao encontro para se deixar tocar.

São as vivencias significativas que nos transformam. Zach, que em sua infância quebrara o disco da coleção de seu pai num momento de raiva, pode encontrá-lo em Jerusalém e devolvê-lo, não sem antes ter tido mais uma revelação: que na sua família os filhos foram batizados com nomes cujas iniciais correspondiam ao título de uma das músicas daquele disco: C.R.A.Z.Y.

Zach finalmente não estava, não era e nem se sentia mais só. Zach sabia-se agora único. Cumprira a jornada heróica de integrar-se em si-mesmo e de reconhecer-se a parte e ao mesmo tempo inserido em seu sistema familiar.

Finalmente poder pertencer e diferenciar-se não seria mais sinônimo de isolamento e exclusão.





Great Movie Moment- CRAZY

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Que sou eu...?

Quem eu sou, se cada parte do que é físico e metafísico em mim inflamam um não sei o que de sensações, sentimentos e outras tantas...? Quem eu sou em meio aos dias sonoros, cheios de vibrações, ações, reações, e eu, eu? Mudo, rubro, fechado, deslocado......  Eu sou, me sinto, intimo imenso no intemporal imerso! Mas eu, meu, não sei, eu não sei me explicar, te explicar por que eu sinto, finjo, não! Minto! Que sou eu!? Não encontro palavras, elas são frias, soltas, tolas.......... Mas tento, invento, e me digo..... e ao dizer, é sempre estranho, esse sentir dissonante em palavras tentadas, deslocadas..... eu caio, caio, e me torno o que digo,eu , eu? Calo? Sim me calo na tentativa de me fazer sentir no silêncio, e de silêncio já não durmo, porque grita, então falo para dizer quem sou, e... se não sou por palavras, desminto, minto, prossigo em artifícios.... Eu sou quando digo, mas sou ainda mais quando calo..........

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dais para o infinito...


Dias misteriosos, tortos, ignóbeis, sem certeza que leve avante a algum lugar. É tudo solto, numa dança ilógica, descompassada, uma imagem borrada de verdades ou mentiras...
E acreditamos no infinito, e nos derramamos a ele (o infinito) em nossas mais fieis disposições, em nosso sonho torpe de uma vida mágica, sem ser pra morte, ou mesmo vida, ainda que seja cedo, mas é sempre tarde, sim é sempre tarde... E o infinito, ilusão radiante nos toma aos braços e baila em ascendência a um céu, ao léu, em vão, num limbo esquecido, paraíso pequenino de imagens inocentes.... tudo em nossa vontade, enganada por sua luxuria, jogada ao acaso...
E eu que era tão novo. Sim mocidade bucólica!  Numa casa construída de sonhos e medos de criança......  Foi numa tarde, numa tarde como outra qualquer, numa tarde ensolarada com nuvens e uma caixa d’água que o infinito veio a mim com suas imagens fantásticas propondo o pacto que levaria meu espírito para sempre da vida para a vida não vida de sonhos pungentes... Oh tarde tão viva! sim foi como um déjà vu que perpetuava a imagem do tempo, uma saudade do futuro queimando o coração da criança, no céu, caixa d’água, quintal, olhar avante, e saudade, saudade, saudade, mas eu... eu nunca vivi o que tenho falta, ou é o retorno infinito do infinito que num pacto divino me tomou o espírito? Não sei... mas a vida é finita! É só por dentro que esse sentimento oceânico nos toma em eterna existência? Eis a ilusão, eis a ilusão, a eternidade.....
Eu não sei querer da vida, vivemos ao acaso, dizemos ao acaso, e pensamos ao acaso.... estamos fadados ao acaso, acaso, ocaso...de novo, novo, e sempre em retorno até o crepúsculo dos dias. Estaria aí o infinito? Quem sabe. Não! em nós sei que não, não! Oh angustia que me bate repentinamente, um nó nem sei de que, talvez uma palavra não gerada, um sentimento que não consegui decifrar..... e penso, não, sonho nos dias de mim mesmo e me irrito  com essa paisagem mórbida, embora haja luz...........
Sim! Estamos de volta outra vez, eu e tu... tu que é eu em frente, vivo no querer ser, mas não é na vida da gente... é pouco, é tão pouco!!! O tempo levou embora o infinito, não embora, mas em má hora! Eu não tenho tempo, eu não ei de viver! Não ei de viver... e de trágico parece belo! Como pode? Mas sim, há beleza, tanta que emociona!!! Não chore!! Enxugue essas lágrimas... são só dias... em parte perda, mas há ganho... e luta, luta... e sim de ilusão já vivo, e me interesso!! Vê a poesia. Que ilusão mais doce... que mentira mais bela... bebe um pouco dessa  mentira, bebe e relembra o pacto infinito da infância... não cai, do acaso jaz nossos corpos terrenos, no acaso encontramos abrigo... encontramos morada.... calados....................
Ai de nós, oh silencio que agora grita, quão gritante é o silencio!... Dói a cabeça imaginá-lo, e quão assustador é o nada... quão paradoxal....... e a criança grita, a criança pede socorro, essa gente grande, legião nascida dentro, pisoteia, esmaga, mas os gritos ecoam, é silencio, é silencio! Oh céus, que minhas pernas tremem em agonia pela vida, agonia pelos dias curtos, do opúsculo de sempre... Oh pequenez! E parado, cansado olho tudo! Do ventre de minha morada dais para o revoar dos tempos, e tudo corre, e se desfaz e se refaz, circulando, bailando loucamente....... levando me fatalmente ao nada perpetuado em formol, imóvel, silencioso... e...?... Dais para o infinito.........................................

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Let it be - Across The Universe


Versão da Let it be cantada por Carol Woods e Timothy T para o Filme Musical "Across The Universe" que tem seu enredo baseado em músicas dos Beatles. Essa performance teve muito feeling... para mim a melhor música no filme. Vale a pena conferir!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Meantime



Far away, far away,              (*)Longe, muito longe,
 Far away from here...                               Longe daqui... 
     There is no worry after joy                      Não há mágoa após o gozo
      Or away from fear                              
 Nem longe do medo
Far away from here.                                Longe daqui.

Her lips were not very red,                       Seus lábios não muito rubros,
      Not her hair quite gold.                     Cabelo não muito louro.
Her hands played with rings.                     Suas mãos brincavam com aneis.
      She did not let me hold                       Que eu pegasse não deixou
Her hands playing with gold.                     Nas mãos brincando com ouro.

                She is something past,                       Ela está em algum lugar de outrora,
      Far away from pain.                               E distante e distante da dor.
          Joy can touch her not, nor hope                     O gozo não a toca, nem a  esperança
      Enter her domain,                                           Pisa o seu chão,
      Neither love in vain.                                       Nem o amor em vão.

        Perhaps at some day beyond                               Para além, talvez que um dia,
      Shadows and light                                    Das sombras a arder,
She will think of me and make                              Ela me pense e me faça
      All me a delight                                          Um inteiro prazer
       All away from sight                                     
Bem longe do ver



(*)Baseado na tradução de Jorge de Sena



         Esse é um poema em inglês de Fernando Pessoa  que foi musicado por Ritchie, faz parte do belíssimo álbum "A Música em Pessoa" em que vários artistas musicaram poemas de Pessoa. Meantime é o único poema em inglês no álbum, e é também muito bem trabalhado por Ritchie, mas tem muitas outras interpretações incríveis de artistas como Carlos Jobim, Milton nascimento, Francis Hime e Marco Nanini entre outros...  
     


    

  


     

domingo, 10 de abril de 2011

Ao sol e mar...






No caminho do sol, até a despedida, entre aplusos e sorrisos, a noite cai e ainda há música, ainda há brilho... o sol ainda vive! (pontal de coruripe)

Ente amigos e poesias, músicas e contemplação, abraços e até logo...


sábado, 9 de abril de 2011

SAGRADO CORAÇÃO(Legião Urbana)



Sei que tenho um coração
Mas é difícil de explicar
De falar de bondade e gratidão
E estas coisas que ninguém gosta de falar

Falam de algum lugar
Mas onde é que está ?
Onde há virtude e inteligência
E as pessoas são sensíveis
E que a luz no coração
é o que pode me salvar
Mas não acredito nisso
Tento mas é só de vez em quando

Onde está este lugar?
Onde está essa luz ?
Se o que vejo é tão triste
E o que fazemos tão errado ?

E me disseram!
Este lugar pode estar sempre ao seu lado
E a alegria dentro de você
Porque sua vida é luz

E quando vi seus olhos
E a alegria no seu corpo
E o sorriso nos seus lábios
Eu quase acreditei
Mas é tão difícil

Por isso lhe peço por favor
Pense em mim, ore por mim
E me diga:
- Este lugar distante está dentro de você
E me diga que nossa vida é luz
Me fale do sagrado coração
Porque eu preciso de ajuda



                                      Composição : Renato Russo






          Essa música é do álbum póstumo "Uma outra estação", não tem registro na voz de Renato Russo, não se sabe ao certo porque, alguns contam que no dia da gravação houve um problema técnico e Renato decidiu não gravar novamente, deixando a crédito de nossa imaginação unir letra e música. Em outro momento postarei algum vídeo que em homenagem a banda, fizeram versões de como seria a música cantada...
          O fato é que é uma música de uma sensibilidade incrível, de alguém a quem a vida deixava, e se confrontava com questões existenciais... “Onde está esse lugar, onde está essa luz, se o que vejo é tão triste e o que fazemos tão errado!”* E de como é difícil acreditar, porque parece não adiantar...
          É triste, e de uma intimidade marcante... esta entre outras da Legião parecem dividir um sentimento familiar, de pessoas que se conheceram a vida inteira, mesmo sem nunca terem se encontrado, vivenciando emoções escondidas que dividimos entre os que semeiam algo em comum... E nos conhecemos, porque há transcendência. Pois a grandeza da arte é que mesmo inserida na história, ela é atemporal, está para além do concreto e do referencial, e mesmo na morte ainda há um compartilhamento de sentimentos com o poeta cantante... e mesmo na distância nos tornamos companheiros pela música...
         
 *Renato Russo

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Ode aos pequeninos que não poderão mais sonhar...




Tão pequeninos, cheios de vida e sonhos
E agora sobra a falta, a falta do que quer que se proponha o viver       
E não me fale em destino,
Não me fale de um paraíso,
Não me apazigúe a dor, deixe que queime.

Quantas lágrimas serão necessárias?
Quantos escravos mais terão suas vidas compradas?
Quantos inocentes pagarão a divida da humanidade
para com sigo própria? Quantos?
A humanidade tornou-se uma viela, pequena e escura.

Triste é saber das vidas ceifadas
Levaram-vos tão cedo, antes do abraço materno
Esqueceram a máxima infantil dita por Exupéry
Por que petrificaram o coração
Tão vivo e pulsante nos pequenos.          

Levou-se a inocência, o sonho, a alegria
As cortinas do mundo se abriram
Enxergamos o palco de dor, de pesadelo e tristeza
A vida torna-se um nó na garganta
E entre os gritos de desespero e os corpos inertes
Não houve transcendência, mas silêncio.


Poema: Ferreira
Música no video: Feels like home-Edwina Hayes


quarta-feira, 6 de abril de 2011

Só Por Hoje (Legião Urbana)




Só por hoje eu não quero mais chorar
Só por hoje eu espero conseguir
Aceitar o que passou o que virá
Só por hoje vou me lembrar que sou feliz

Hoje já sei que sou tudo que preciso ser
Não preciso me desculpar e nem te convencer
O mundo é radical
Não sei onde estou indo
Só sei que não estou perdido
Aprendi a viver um dia de cada vez

Só por hoje eu não vou me machucar
Só por hoje eu não quero me esquecer
Que há algumas pouco vinte quatro horas
Quase joguei a minha vida inteira fora

Não não não não
Viver é uma dádiva fatal!
No fim das contas ninguém sai vivo daqui mas -
Vamos com calma !

Só por hoje eu não quero mais chorar
Só por hoje eu não vou me destruir
Posso até ficar triste se eu quiser
É só por hoje, ao menos isso eu aprendi

Yeah!
Composição : Renato Russo

Quando criei o blog, isso há um dia, na madrugada anterior, entre alguma leitura e muitos devaneios. Era essa música que tocava no play list do computador, e ela vibrou forte em meu espírito... "viver é uma dádiva fatal..", foi então que decidi tomá-la como referencia não só para o título, mas para o que pretendo... Só por hoje deixar que a palavra me traduza, ver até que ponto os sentimentos ou qualquer tipo de razão é levado pela escrita..." É só por hoje, ao menos isso eu aprendi..."

O Enigma de Kaspar Hauser

Como na comunicação a ferramenta que media as relações é a linguagem, tive a idéia de por hoje refleti-la pegando como carona o caso de Kaspar Hauser tratado no filme de Werner Herzog, e desse modo me aproveitarei de um texto que fiz para a disciplina de filosofia da linguagem para dar um impulso a uma possivel comunicação...


Kaspar Hauser
Ensaio sobre a construção do real

          O presente trabalho visa refletir a questão da linguagem como processo sobre o qual é possível ou não referir a realidade e até que ponto há uma construção do real, e ainda se é possível falar de uma natureza humana ou se esta é adquirida de acordo com o envolvimento do indivíduo com a língua, a cultura, os costumes em geral de determinada sociedade. De modo que o Singular caso de um jovem conhecido como Kaspar Hauser, nos traz a tona indefinidas indagações sobre os diversos campos do conhecimento, sobretudo a questão da linguagem. Esta é uma reflexão do olhar de Werner Herzog em seu filme Jeder für sich und Gott gegen alle que traduzido ao pé da letra significa: Cada um por si Deus contra todos, mas também conhecido como O Enigma de Kaspar Hauser, de 1974. É uma história perturbadora baseada em fatos reais que conta a trajetória de um jovem e seu contado tardio com o mundo dos homens, e que nos convida a visualizar o tortuoso processo de aprendizagem de uma figura única.
          Esse ser misterioso aparece pela primeira vez para a sociedade, em uma praça de Nuremberg no domingo de pentecostes de 1828, estático, com o olhar assustado e uma carta na mão, endereçada ao Capitão de Cavalaria do 4º Esquadrão do 6º Regimento de Nuremberg. Ao lê-se a carta podemos notar a vivência peculiar desse estranho, a carta dizia:

Envio-lhe um jovem que deseja servir seu rei. Ele foi deixado na minha porta em 7 de outubro de 1812. Sou um mísero trabalhador com dez filhos e mal consigo sustentá-los. Quando a mãe largou seu filho para que eu o criasse não me deixou nenhuma informação. Por isso não denunciei as autoridades. Ele não saiu de casa desde 1812 para que ninguém soubesse. Pode perguntar, mas ele não saberá responder. Eu o ensinei a ler e a escrever. E se perguntar o que ele quer ser ele dirá que quer ser um cavaleiro, quer ser tão bom cavaleiro quanto seu pai foi. Se ele tivesse tido pais creio que teria sido um jovem inteligente. Basta mostrar que ele entende. Sr capitão ele não deve de forma alguma ser maltratado. Ele não sabe onde moro, eu o trouxe durante a noite. Não quero que saibam meu nome por isso não assinei esta carta. (HERZOG, Trecho de O Enigma de kaspar Hauser)

          Tal carta enfatiza o mistério desse jovem, embora traga algumas informações para os moradores de Nuremberg sobre o mesmo, que depois saberão, se chama Kaspar Hauser.
         Werner Herzog em seu filme traça a trajetória de Kaspar em diversos momentos que vão demarcando seu envolvimento com a realidade humana, bem como insere propostas e propõe questionamentos a cerca da vida humana e sua relação com o mundo. Mostra num primeiro momento um jovem de expressão esquisita, preso em uma masmorra, alimentado a pão e água que são deixados a noite enquanto dorme, sem contato com a vida exterior a seu cativeiro, até que um dia é deixado por um homem misterioso numa praça de Nuremberg, e esse é outro momento, é o ponto de contato com outros homens, com uma práxis tardia, onde começa a aprender sua língua, seus costumes, a ter noção de dor e apresentar emoções. Porém como não parece se adequar aquela sociedade, passa de um caso curioso para um ser bizarro e como se não bastasse é mandado para um circo onde é descrito como um dos quatro enigmas da humanidade. É no circo que um professor chamado Daumer se interessa por Kaspar, que numa tentativa de fuga do circo é encontrado e adotado pelo professor. Dois anos se passam na tutela do professor Daumer. E kaspar sofre por sua dificuldade em aprender e esse é outro momento que pode ser demarcado como um dos mais expressivos da trama, pois é quando este passa a questionar, a constituir o mundo, como mais à frente, pretendemos refletir. Mas, estranha é a tendência de Kaspar a querer voltar para sua masmorra onde não havia homens ou pensamentos, o mundo lhe parece um fardo, por propor-lhe as possibilidades de constituí-lo ao passo que transpõe sua incapacidade perante o mesmo, e isso nos faz pensar se não é sua pequena variação lingüística alcançada tardiamente sem experimentar uma prática social anterior que o faz sentir essa distância. O fato é que com o tempo Kaspar consegue recobrar da sua “vivencia” no cativeiro, sua vida no silêncio, e com isso pode haver uma possível lembrança do homem que o manteve ali, homem que talvez fosse chave para seu mistério, mas de longe não é a chave para o enigma proposto a humanidade que é o próprio kaspar, pois este representa a humanidade sob um ponto de vista alternativo, questionável, reflexivo ao se pensar a questão da natureza humana. Pois bem, Herzog propõe que o homem misterioso com medo de que lhe fosse revelada a identidade, já que o curioso caso estava na boca de todos, decide então calar o jovem Kaspar Hauser, atentando contra sua vida por duas vezes, na qual a segunda é fatal. Deixa para trás um jovem moribundo e uma carta que Dizia: “Hauser saberá com certeza descrever como sou e de onde venho. Para que ele não faça isso vou lhes dizer de onde venho e também qual é meu nome.” (HERZOG, trecho de O Enigma de Kaspar Hauser). Porém nome algum se revela se não prováveis iniciais, demonstrando que a origem de Kaspar é possivelmente escandalosa para se correr o risco de vir a tona. Porém não é o segredo de sua origem o que mais perturba, mas o resultado de sua vida, o trajeto em meio social tão singular que traz espanto e curiosidade. E Herzog mostrou isso com maestria nessa obra inquietante e, sobretudo humana.
          Então, o que o caso Kaspar Hauser nos faz pensar, quando no filme vemos sua saída do cativeiro para o meio social? Parece que é aí que o individuo começa a se construir, e não apenas isso, parece que o mundo começa a se revelar para ele, ele passa a referir o mundo. E qual ferramenta media esse processo? Parece que a linguagem. Mas como vemos, a realidade começa a ser questionável aos olhos de Kaspar, seu olhar para o mundo é alternativo, então a que realidade Hauser refere? Ou será que há aí uma construção da realidade? Não parece ser a mesma realidade dos moradores de Nuremberg, pois aí, por exemplo, ele não era capaz de distinguir os atributos do homem em relação a um gato que em certa cena tenta ensinar a andar sobre duas patas, como foi feito com ele quando o fizeram se equilibrar sobre os pés e caminhar, sua visão é outra e a trama vai deixando clara, de modo que para elucidar essa questão vale citar um trecho de uma discussão de Gonçalo A. Palácios:
O real, conseqüentemente, não é refletido pelo pensamento, nem pode reduzir-se ao que está ali para ser nomeado e referido. É exatamente o contrario: real é o que cada língua pode dizer. As relações reais, portanto, são as relações que a língua cria, e nos ensina a nomear e reconhecer. (PALÁCIOS, 1995, p.63)

          Com essa reflexão não estamos propondo que não há uma realidade empírica que vá além da linguagem, que não seja referida, a questão é que nos parece que para o homem a realidade vai até onde é possível dizê-la, pois o real não se constitui apenas de objetos concretos, mas também de relações e conceitos abstratos e isso não parece ser menos real, mas constitui a vida humana.
          Kaspar passa por um processo de autoconstrução, que nos faz pensar que não há uma natureza humana preestabelecida, é consenso que haja fatores biológicos comuns ao gênero humano, mas entendemos e Werner Herzog nos leva a essa compreensão, que a natureza humana é adquirida num processo social, o sujeito constitui-se nesse processo que não por acaso se dá através da linguagem. Notamos isso quando o jovem é perguntado por religiosos se quando no cativeiro “já tinha alguma noção de Deus” Ao que ele responde que não entendia tal pergunta “No cativeiro, eu não pensava em nada e não consigo imaginar que Deus do nada criou tudo como vocês me disseram” Desconcertados, tentam impor-lhe a fé, mas kaspar retruca “Primeiro, preciso aprender a ler e a escrever melhor para compreender o resto”. Essa ultima frase de Kaspar elucida a nossa percepção da linguagem como o processo pelo qual o homem constitui a si e o mundo. Mas por que para nosso personagem esse processo é tão pesado? Por que a constituição do mundo por kaspar é alternativa à sociedade? Parece que é justamente por esse acesso tardio ao contato, e aí parece que a linguagem não foi suficiente para uma adequação ao meio, pois lhe faltou uma relação entre linguagem e prática, mas vemos a prática como o processo que contribui para acumulação de conceitos que possibilitam uma compreensão do mundo, mas Kaspar conhece pouco, ele precisa “aprender a ler e a escrever melhor para compreender o resto” e talvez por isso fuja aos conceitos ou pré-conceitos estabelecidos pela sociedade e sofre as conseqüências disso.
          Acreditamos que um dos momentos mais ricos do filme é quando Kaspar Hauser está sob a tutela pelo professor Daumer, pois é a partir daí que se tornam mais claras as mudanças que o processo de comunicação com os homens faz em Kaspar, é nessa fase que já munido de alguns conceitos o jovem sente profundamente o espanto e desprezo que os homens tem em relação a ele, e ele sofre. Após dois anos sob a tutela do professor, temos um diá
logo que elucida o desenvolvimento do sujeito e seus questionamentos a cerca do mundo. Depois que Florian, um cego que perdeu toda a família em um acidente, toca uma música no piano, Kaspar emocionado vira-se para Daumer e diz: “A música soa forte no meu peito. Estou muito velho”. Ao que o professor responde: “kaspar você mal começou a viver, tem um futuro inteiro pela frente”. Então kaspar pergunta: “Por que tudo é tão difícil para mim? Por que não posso tocar piano como respiro?”. E Dalmer lhe explica: “Ouça, Kaspar, em dois anos que está comigo você aprendeu muita coisa. Agora, depois de velho, você tem que aprender de tudo, pois nunca esteve entre os homens”. Então kaspar responde: “Para mim os homens são como lobos”.
          A visão de mundo de Kaspar Hauser assim como sua própria existência está carregada de mistério, e o compreendemos até onde nosso entendimento nos permite, a questão é que ele parece se sentir uma ponta solta nesse mundo de “lobos”, de modo que lhe tortura o fardo que essa natureza humana tardia lhe impôs e visualizamos isso quando a certa altura da trama, em uma festa quando perguntado sobre seu tempo no cativeiro antes de saber da existência humana, ele responde duramente: “Melhor do que aqui fora”; e mais adiante ainda diz: “a única coisa interessante em mim, é minha vida”, ou seja, Kaspar se sente incompleto, só tem de si a parte animal, só tem de interessante a própria vida. Faltou-lhe o percurso de apreensão da linguagem, que lhe foi privado por seu cárcere, chegou tarde, pois “um mundo sem linguagem é como um museu com objetos, mas sem publico nem etiquetas. Sem a linguagem temos um mundo inacabado. A palavra completa o mundo. A palavra preenche o real” (PALÁCIOS, 1995, p.65). E é aí que parece fazer sentido o perturbador prólogo do filme que ecoa em nosso espírito durante toda a trama: “Esses gritos assustadores ao redor são o que chamam de silencio?” (HERZOG, prólogo de o Enigma de Kaspar Hauser). Pois a Kaspar faltava a palavra, sua vida humana começara há muito pouco, e sobrava-lhe o silêncio.
          Herzog foi genial na construção dessa trama, um filme repleto de sutilezas que nos espantam e apaixonam, além de um nome que merece alguma reflexão: Jeder für sich und Gott gegen alle (Cada um por si Deus Contra Todos). Ao que parece esse “Cada um por si” representa a apreensão individual que cada um faz do real, apesar de haver a sociedade que guia a uma noção comum do mundo, Kaspar é a prova de que a trajetória é individual, e aí Kaspar reflete a própria humanidade nessa construção de si solitária. E “Deus contra todos”, se pensarmos Deus como um conceito eterno, perfeito e imutável, veremos que opõe a tudo que é humano e inacabado.
          Por fim, com esse curioso caso que nos incita a pensar a linguagem, nos dispusemos a esses questionamentos que nos levaram a certas conclusões, mas que acreditamos vez por outra nos trará mais e mais problemas. Por agora percebemos uma natureza humana adquirida, semelhante ao que Locke chama de tabula rasa, uma folha em branco que vai sendo preenchida com as cores do mundo, e a linguagem é o pincel que colore o mundo, dando ao homem de presente a possibilidade de construir a sua realidade.


REFERÊNCIAS
O ENIGMA DE KASPAR HAUSER. Werner Herzog (dir.) Distribuição Versátil Home Vídeo. Alemanha: 1974, 1 DVD, 109 min., son., color.

PALÁCIOS, Gonçalo Armijos. Filosofia e Linguagem. In: Signótica: revista do Mestrado em Letras e Lingüística /ICHL – UFG, vol.7, Goiania: Editora da UFG, jan/dez. 1995. pp. 59 – 65.