domingo, 2 de setembro de 2012

Sonho lúcido



"E sonhou com a casa do passado, como se tivesse revisitado os dias da infância, os corredores iluminados duma luz fosca.. E sim, sabia que era uma lembrança, estava lúcido de que sonhava e caminhou indo ao interno, mergulhando nas sensações esquecidas... Viu duma janela a chuva caindo na terra, os patinhos correndo em direção a água, e quase podia sentir o cheiro daqueles dias... Um quadro em movimento, dançante numa música guiada por violinos... Alegria guardada em camadas interiores, multiverso dentro! Mas sabia, não estava ali, sim, era a mente que revisitava e num fôlego pulou a voar... Voou e se afastou daquele capítulo nostálgico, viu paisagem na distância, subiu e contemplou o prána da terra... Ofuscado fechou os olhos... Ao abrir estava aqui nesse fugaz chamado momento..."




quinta-feira, 12 de julho de 2012

O espírito e a Borboleta


“(...) Ela tentava entender o que havia de diferente. Talvez fossem as pessoas que mudaram as vestimentas, ou quem sabe o curso das estações ou até mesmo alguma coisa no cheiro... Mas não conseguia perceber o quê. Era como se ali não fosse seu lar, sua família, seus amigos, seu trabalho, sua vida. Sentiu medo de estar enlouquecendo, não entendia se as coisas realmente mudaram, ou se foi ela, ou ambos.
Certo dia, alguém lhe perguntou se havia algo errado, pois estava distante... Ela apenas respondeu – Eu não sei. E não sabia, achava que era o mal de ser humana, pensar, pensar e se perceber como parte de um sem sentido, e estava tão preocupada em pensar, em seguir o que lhe foi determinado, que se esqueceu de sentir, de impulso, de vibração. Mas agora as coisas estavam diferentes, pois estava sentido... Era isso o que a incomodava, era isso que lhe fazia desvanecer, ela sentia e quando sentiu, não só ela, mas tudo em volta mudou.
Naquele dia ela se preparava para sair, se olhava no espelho enquanto passava um batom nos lábios e pensava em como tudo isso era ridículo e se riu... Talvez ele se apaixonasse pela cor de seus lábios, pelas palavras ensaiadas durante a noite anterior, mas será que se apaixonaria pela pessoa por detrás daquele batom?
Talvez – pensava ela – toda essa estranheza seja causada por ele, mesmo que ele não saiba, mesmo que não tenha feito nada além daquele sorriso que fez com que o mundo apagasse, que fez com que eu parasse de pensar e começasse a sentir e então tudo está diferente. De repente era vida, era movimento, havia calor, não sabia se era bom ou ruim, e nem havia ele como realização, se não como sinal de mudança, de reconhecimento...”

SANTOS, T.F.




domingo, 1 de julho de 2012

TODO DIA



"(...)E quando andava em meio aos outros, tanto se escondia, pois se sentia despido a tal ponto que qualquer olhar lhe atravessaria a carne e enxergaria o outro lado... Os amigos lhe vestia a transparência com tintas das mais diversas influências, e tanto lhes falava para responder as exigências que as tintas lhe tomava... Quando quieto, sem ninguém a vista as tintas se esvaiam, a nudez se contraia na carne que se fechava. Então aquelas sensações apareciam e ditavam outros critérios e repetiam no coro de uma aceleração cardíaca 'agora todos morrem, tudo faz sentido: não há sentido algum'!
Tu é tantos, que não é nenhum na carne fechada. O universo acima então o mira com enormes olhos luminosos e tudo o que era grande se torna pequeno e insustentável e isso lhe permite vida, só assim lhe é possível morrer, só assim a procura cessa, só assim a procura começa... E o que é de direito vem, depois o descanso.
Apenas só ele consegue, apenas só a carne fecha e o universo abre os olhos. E toda a sua necessidade pela gente, pelo outro, tem sua resposta... só no contraste poderia sentir o coro de sua solidão, só na morte de toda madrugada é que encontrava vida, anseios, desespero, encanto.... todo dia"

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Do sonho da ultima noite





Talvez fossem traumas, mas havia medo, ele sempre teve medo de tudo, mesmo das coisas boas, tanto que escancarava no seu jeito torto de experimentar. Uma vez alguém lhe disse para não esperar que tudo fosse queimado.

Vivíamos em paralelos, enxergávamos em paralelos, escondidos nas possibilidades infinitas dos sonhos. E nossa morada era imensa, tantos quartos com lembranças de tudo o que vivemos, tantas pinturas e fotografias espalhadas, mensagens invisíveis em volta, conexões incolores, inodoras, mas que preenchiam o ambiente, assim como nossa própria extensão.

E ele caminhou pelos corredores, atravessando salões, penetrando as fotografias, atravessando as conexões... Caminhou pelo passado, encontrou músicos do Rock, relembrou dos tempos em que acreditava na espiritualidade do homem, cada passo que dava mudava em sua vista a paisagem em volta, cansado sentou, viu a frente um grupo de pessoas que dançavam nuas ao sol, ao som de batuques numa dança circular viva. Atrás numa imensa auto-estrada, estranhos carros transitavam, ele estava sentado numa vastidão acesa, e podíamos ver, acreditávamos ver, o mundo entrar em catarse.

Num relance alguém apareceu alguém com o rosto escondido na memória, alguém que deveria machucá-lo, veio e a ajudou a lembrar, a lembrar o caminho de volta, a lembrar que ele estava deixando tudo pra trás, o medo tomou-lhes as lembranças e em seu caminho se perdeu, se iludiu pelo domo que usava, trancou seus sonhos e imaginou o de outros. Mas esse estranho lhe fez entender que não poderia permitir que tudo fosse destruído.

Quando foi em frente nos corredores do adeus, parte dele escolheu ficar em seu quarto quando o incêndio começou, escolheu deixar que o fogo consumisse tudo o que amava mesmo a si próprio, porém ele não estaria só... Sua outra parte, de longe voltou, convencido pelo outro sem rosto, voltou sorrateiramente enquanto ele estava sentindo-se seguro, abraçado com a morte de tudo o que havia construído na nossa morada.

E essa parte que voltou, subiu as escadas de sua história interior, procurou nas gavetas mais escondidas algo que o fizesse desistir de desistir, que o tirasse das chamas, e então imagens carregou, entregou-as nas mãos de sua outra metade, deu-lhe a mão e o livrou do medo, e ajuda pediu, ajuda gritou, eu estava lá eu podia sentir os pedaços se juntando, e do incêndio que a tudo tomava, as partes se juntavam em luta. E eu joguei água, mas era pouca água para tanto fogo, e não conseguíamos controlar sozinhos, não conseguia conter o final, e tudo queimava, mas ainda havia ele, havia eu, porque ainda podíamos nos enxergar diante de tudo o que estava se dissolvendo.

No olhar nos encontramos, porque eu era ele, eu era o sem rosto solto no espaço. No impulso procuramos ajuda e corremos desesperadamente, gritamos, e não havia mais medo, havia vontade. E me lembro, lembro de quanto corremos, e de como pessoas desinteressadas apareceram, como fomos percebendo que elas eram parte de tudo aquilo, e como ajudaram.

Lembro que o teto queria ceder, mas as chamas apagaram com a infiltração, com a vontade. Alguns lugares ficaram tão deformados que já não podíamos enxergar que havia significado. Andamos por entre as ruínas do que já foi e me espantei com tanto de mim que foi perdido, com o tanto que pelo medo e pela raiva degenerou-se, dissolveu-se em pó!

Depois de algum tempo, nos destroços, eu e ele tínhamos uma só visão, meu rosto tomou forma no rosto dele, e o domo estava ao chão, percebi uma pequena centelha em minha mão, havia algo vivo, e meu pensamento podia vislumbrar, não há outra forma, não há outra opção. E é onde estou agora, caminhado por entre os destroços desse sonho da ultima noite, revendo o que fui, o que desejo, e o que fiz de mim...

O que isso significa?... Tudo! Tudo o que fiz de mim, todo o meu afastamento de mim mesmo, tudo o que nós (eu e eu mesmo) compactuamos. E talvez, eu mesmo, parte perdida em sonhos me mostrou o quanto que o medo, a apatia foram nossos venenos mais presentes, os catalisadores de um instinto de doença e destruição.

Contudo, fica a imagem do futuro entrelaçada ao presente, possibilidade real ou fictícia? Dependerá das escolhas. Das ruínas ficou a possibilidade de reconstrução, nas mãos as sementes e a frente uma imagem bonita, de força, prazerosa... Mas só como possibilidade...

Ferreira
2010/12




domingo, 8 de abril de 2012

Até quando esperar?



imagem: Hulings


  No tempo do pra sempre, quando ainda havia traços do sorriso da criança em meu semblante, quando a novidade nos encantava tanto quanto espantava, eu a conheci, e por conhecê-la pude me conhecer um pouco mais, e dividimos tanto o que não precisava racionalizar.

  O tempo correu, o mundo foi criando crisálidas em nós, e algo parece que mudou, como se aquilo que havia de mais bonito em nós, estivesse então se escondendo, porque foi-se aprendendo que inocência era qualidade ruim, só para tolos, que Exupéry era coisa de criança, que homens devem portar-se para tais. Talvez por isso tenhamos nos trancado, talvez por isso aquilo que mais nos atraiu tenha se esvaído. Pois mesmo não sendo o que nos ensinavam, mesmo que continuássemos amando Exupéry, nós nos escondemos. Escondidos, nos perdemos.

  Porém a imagem dela era a referência do que eu tinha como bom. Como há tempos não a via, por instinto, ou saudade, eu fui a sua antiga casa, casa de nossos dias, lhe chamei, por vezes chamei-lhe o nome, mas não havia resposta, e dessa ação me veio um pensamento, um pensamento que me tomou por um arrepio. Não foi uma simples impressão, mas senti, fui tomado, todo o meu corpo e espírito reagiram a essa idéia: E se ela não existisse mais?

  Foi como um efeito dominó de pensamentos que procediam a esse, E se ela não existisse mais? E se tudo o que amo, só pertencesse a esse instante, e cada instante fosse o ultimo? E se realmente ela tivesse deixado de existir, o que eu iria fazer com tudo o que eu não disse, com tudo o que eu não fiz, com tudo o que sinto e guardei, com todo o significado que vem se estabelecendo?

  Mas esse pensamento, para além da existência dela, foi penetrante, pois se só tivermos essa chance, e se tudo se cristaliza a cada instante, numa efemeridade perene. Então mesmo se ela apenas não tivesse me ouvido, ainda assim cada momento terá sido perdido pelo que deixei de dizer, de dividir... E não importa o quanto eu dissimule para mim mesmo, dizendo que haverá um momento posterior para as ações, que há tempo, mas o tempo não nos dá tempo! Cada momento que passamos perdidos um do outro, foram momentos perdidos de nós mesmos, daquilo que incubávamos como fonte de vida, como visão de mundo.

  Somos finitos, mas nos retraímos com nossas doses de segurança, e de tanto nos trancarmos, deixamos de amar, nos esvaziamos, nos perdemos de nossos sentimentos, de quem somos em verdade. Ensinaram-nos muito bem isso, mas devemos mudar a rota da engrenagem, esse é o único momento pra mostrar o quanto cada um é importante, o quanto somos capazes de amar.

  Esse pensamento me acompanhou, e pude dividir com ela, tive sorte de poder fazer diferente, de derrubar barreiras. De dizer o quanto me importa, o quanto de algum modo me reconheço nela, nele, neles, o quanto o que sou tem referência naquilo que eles são, então até quando esperar para viver, até quando esperar? 


Ferreira
2008/12

                                                                                          imagem: R.Alexandrino

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Admirando o céu do passado




'Ele estava de pé admirando o céu em sua plenitude azul, com os pés sobre um terreiro macio, árvores e uma caixa d'água ao seu lado. Como era criança, muitas impressões eram novas, era algo belo experimentar... Mas nesse dia, e não sabia se foi o céu azul, a terra macia, as árvores ou a caixa d'água, ou tudo junto ou nada que o fez experimentar a saudade. E foi tão forte, porque era saudade do que nunca viu, saudade do que ainda não estava impresso... apenas sentiu e contemplou aquele sentimento... e por vezes ele retorna, por vezes ele sente aquela falta, e procura...'



Ferreira

sexta-feira, 30 de março de 2012

Estar aqui, é estar o tempo todo do lado de fora



Estar aqui, é estar o tempo todo do lado de fora. É ser sempre o espectador impotente, aquele que perdeu a chance, o que não falou o que tinha para falar, nem fez o que tinha de fazer...
E nele há tantos sonhos, que não sei onde podem caber, essência irredutível, por vezes insólita...
De fora vê tudo passar, e tudo é nada, pois tudo não é dele... não há vida para ele... apenas vê e sonha, sonha tanto que por vezes acredita estar aqui, quando num vislumbre percebe que continua fora...
Estar aqui, estar nele, ser ele, é sempre... sempre estar fora, sempre ser de fora, sempre ser o outro, o que perdeu sua chance.....