segunda-feira, 7 de novembro de 2011

C.R.A.Z.Y, vale assistir.

C.R.A.Z.Y - Loucos de amor



Sinopse: Esta é uma história de dois casos de amor. Um amor de um pai pelos seus cinco filhos e o amor de um filho pelo pai. Um amor tão forte capaz de fazê-lo viver uma mentira. Uma mística fábula sobre os dias modernos, C.R.A.Z.Y expõe a beleza, poesia e loucura do espírito humano e todas as suas contradições. O filho, Zac Beaulieu, nascido em 25 de dezembro de 1960, é diferente de todos os irmãos e tenta desesperadamente encaixar-se. Durante 20 anos, a vida o guiará por caminhos inesperados e surpreendentes, levando-o a aceitar sua verdadeira natureza e, ainda mais importante, levando seu pai a amá-lo como realmente é.

           
C.R.A.Z.Y. um ótimo filme, para se pensar as relações entre a família, embates psicológicos, sexualidade e como essas relações são importantes na construção do indivíduo. Filme intimista e com uma trilha sonora incrível. 

Aí vai uma análize do filme por Suely Engelhard:


ANÁLISE DO FILME C.R.A.Z.Y. NUMA PERSPECTIVA SISTÊMICA – SIMBÓLICA
Autoria: Suely Engelhard (psicóloga, analista, terapeuta de família. CAAPSY, ATF-RJ, ABRATEF, SBPA, IAAP) Título original: C.R.A.Z.Y. Direção: Jean Marc Valée Elenco: Marc-André Grondin, Michel Côté, Danielle Prouix


SINOPSE
O título é composto das iniciais de cinco irmãos, todos os homens, de uma família conservadora de classe média canadense. O filme começa com o nascimento do quarto deles, Zach, em 1960, e acompanha os 20 anos seguintes, marcados pelas dúvidas quanto à própria sexualidade e por uma relação difícil, mas afetuosa com o pai, com quem compartilha a paixão pela música.
Jean-Marc Vallée levou em torno de 10 anos para concluir o roteiro de C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor, que foi baseado nas memórias de infância do co-roteirista François Boulay.

Crazy, crazy for feeling so lonely...

A sutileza deste tema: estar só, ser só, se sentir só...

O fato de se ser único, especial, leva a pessoa a se sentir estar/ser excluído do todo. Ter o dom é ao mesmo tempo um diferencial e uma separação. Zach é o diferente: nascer com a marca, num dia especial quando se comemora o nascimento de Cristo, o filho encarnado de Deus, sobreviver a um parto difícil sem seqüelas e a um tombo “sem intenção” provocado pela impulsividade de seu “ irmão- Inimigo” faz a diferença.

O tema base desta história familiar é o da tensão entre estar/ser contido em e ser a parte de sua matriz familiar, o que se amplia para seu universo relacional social. Zach, devoto da Virgem, é para sua mãe o ungido, capaz de curas quando h| sangramento ou queimadura. Para seus irmãos é o “bicha”, o “protegido”, o “preferido” e, portanto, o excluído da fratria entre os mais velhos. Zach é o que está sempre à parte.

Sensível, tem a asma da mãe e a teimosia e o amor pela música do pai. Para ele o pai é seu herói, seu ídolo e com quem mantinha uma cumplicidade e aliança especial, o que mais uma vez o diferenciava e separava dos irmãos.

Mas esta aliança se quebra quando o pai o vê travestido como sua mãe, cuidando de seu irmão Yvan. A partir disso Zach torna-se para ele “O Problema da Família”. A recomposição desta aliança só se dar| muitos anos depois, quando, em suas próprias palavras, “o tempo” ajuda a tudo encontrar uma acomodação.

Com a cisão desta cumplicidade Zach aproxima-se mais da mãe pela fé. Partilham sensações sincronísticas, pois como sua relação é guiada pela força da Criança Divina, do portador da salvação, forma-se entre eles uma coalizão, isto é, uma total indiferenciação eu-outro que os torna uníssonos nas percepções e vivências emocionais.

É este símbolo irracional que guia as inter-relações afetivas da díade mãe-filho neste sistema, e que traz inúmeras compensações e correções ao que se encontra inconsciente nesta família.
Zach é o quarto filho vivo e o sétimo dentre todos. Seu “irmão-inimigo” Raymond é o segundo entre os vivos e o quinto entre todos.

A simbólica dos números diz que o número dois traz a questão da oposição e do conflito, das ambivalências e dos desdobramentos. Primeira e mais radical das divisões era, na antiguidade, atribuído à mãe, designando o princípio feminino. Já o número cinco representaria a união, o centro, o algarismo da hierosgamia, da união do céu-pai (3) com a terra-mãe (2). Representa o humano: os braços, distendidos em forma de cruz, o peito, o centro, a cabeça e as pernas.

O número quatro representa desde a mais remota antiguidade o símbolo do sólido, do tangível, do sensível. Associado à cruz concebe a noção da plenitude incomparável, da totalidade e da universalidade. Determina o que é criado e revelado e ao mesmo tempo perecível. O número sete simboliza um ciclo de completude, a perfeição dinâmica. Associando o 4, que simboliza a terra e seus quatro pontos cardeais com o 3, que simboliza o céu, temos o 7 representante da totalidade do Universo em movimento. Chave do Apocalipse traz em si uma ansiedade, pois indica a passagem do conhecido para o desconhecido: que ciclo findou? Qual será o seguinte? Para os hebreus é o símbolo da totalidade humana, ao mesmo tempo macho e fêmea. União dos contrários e insígnia da fecundidade.

Zach e Raymond são opostos um ao outro sendo ambos dominados pela dinâmica emocional de coalizão com a figura materna. Raymond tinha com a mãe uma relação de caráter dependente- erotizante, constelando-se nele o dom-juanismo e a dependência química. Já em Zach esta identificação implica em sua homossexualidade duramente negada e sofridamente assumida.

Segundo Jung as crianças só apresentam desenvolvimento neurótico quando existem causas perturbadoras e distúrbios na vida inconsciente de seus antepassados: avós, pais, e principalmente mãe. O complexo materno no filho é uma conjugação entre a elaboração indiferenciada do feminino tanto na mãe como no pai.

Esta conjugação fica muito clara na família em questão. Junto a uma mulher parideira, extremamente religiosa e que estabelecia relações secretas com seus filhos prediletos, havia um pai sensível, com desejos sexuais que conflitavam com os de sua parceira, com certos comportamentos narcísicos, adorando ser pai, mas, sendo muito pouco gerenciador da dinâmica patriarcal masculina na educação dos filhos.

Zach tem seu componente heterossexual preso, de modo inconsciente, não só à figura da mãe, como ao componente feminino narcísico do pai. Enquanto Raymond as procura (mãe e feminino narcísico paterno) nas drogas e em cada nova mulher com quem se relaciona sexualmente.

O momento de contato de Raymond com a morte, a última “mulher” com quem “transa”, é captado inconscientemente tanto pela mãe, quanto por Zach. Ele morre por uso de droga injetável, que metaforicamente é o retorno à nutrição fetal, o regresso ao ventre materno. Raymond sim era o verdadeiro problema da família.
Quando o verdadeiro problema se apresenta, isto é, quando a “falsa crise” se decompõe para a crise verdadeira eclodir, a família se transforma. Zach como portador da clareza, como amplificador da consciência desta família, ajuda-a a vencer seu estado de ignorância e inconsciência.

Mas ser este que tem um saber além do status quo vigente, o torna um ser solitário no mundo. Na sua saga, vive todas as etapas do mito da criança divina:

1) O abandono: um conflito doloroso, aparentemente sem saída para a consciência; mas há o pressentimento do encontro de um conteúdo importante, mas desconhecido, que “abre” caminho e “fascina” a consciência.

2) A invencibilidade: constantes ameaças e exposição a situações de perigo de morte e extinção, mas com surpreendente força que ultrapassa o que conhecemos conscientemente. São uma força que abrange a natureza viva, as forças instintivas naturais que impulsionam a realização do ser. Isto se anuncia nos atos “milagrosos” da criança-herói e depois no seu comportamento serviçal, onde ainda ocupa um papel insignificante.

3) O hermafrodita: natureza bissexual, numa união dos opostos mais estranhos e mais fortes. Símbolo unificador aponta para o futuro, para o que precisa ser atingido. Significado vital de superador de conflitos, de portador da cura, de ponte entre a consciência do momento e a totalidade instintiva inconsciente. Surgem símbolos que mostram o redondo, o círculo e a esfera.

4) A criança como começo e fim: simboliza a essência humana em seu estado pré-consciente, da primeira infância, como pós-consciente, a vida além da morte. Existência a priori do potencial de inteireza. A vida anímica que se encontra em potencial na criança continua se expressando no adulto em ações e palavras que muitas vezes só mais tarde ele vem a entender o significado, podendo mesmo até que este se perca. Isto mostra o quanto nós nos conhecemos insuficientemente.

5) Unidade e pluralidade: unidade como síntese de sua integração e desenvolvimento ou como, no estágio da pluralidade, um eu que só se experimenta no campo da família ou nação: identificação inconsciente com o grupo, como a que se dá, por exemplo, na Igreja, onde o indivíduo é membro de seu corpus mysticum.

6) A criança-deus e a criança-herói: o primeiro é sobrenatural e o segundo é humano, mas elevado a categoria semidivina. Dá-se um nascimento “milagroso”, mas repleto de adversidades. O motivo do abandono fala dos diversos obstáculos que o meio ambiente coloca e que ele terá que enfrentar e ultrapassar, com ameaça a sua própria singularidade.

Segundo Jung:

O tema “menor do que o pequeno e no entanto maior do que o grande” complementa a impotência da ‘criança’ com os seus feitos igualmente maravilhosos. Este paradoxo pertence { essência do herói e perpassa como um fio vermelho todo o seu destino. Ele enfrenta o maior perigo, mas no entanto sucumbe a algo insignificante... ( Jung OC vol. IX/1:167§283)

A vida nos exige que cumpramos as diferentes etapas do ciclo vital. Zach enquanto identificado com o complexo materno consegue ter um senso estético e certo tato nas relações com as mulheres, podendo criar relações amistosas e afetuosas. Mas jamais poderá ter com elas complementação erótica.

Com sua amiga Michelle pode viver a experiência do sexo e amor heterossexual, sem, entretanto, ter competência para sustentar esta diferenciação e completar-se. Ao lhe pedir desculpas por não ser ela sua escolha de vida, é recebido com um abraço aconchegante de respeito, carinho e cumplicidade. Michelle continuaria a amá-lo, como ele a ela, só que não seria possível tecerem laços de anseios sexuais.

Zach faz seu caminho solitário numa peregrinação mística dentro de si, ao fazer a Via Crucis, o caminho do sacrifício de Cristo em Jerusalém. Torna-se respons|vel por sua “descoberta” e revelação.
Num primeiro momento em sua vida, quando indo ao analista este interpreta seu conflito como um ato-falho, dizendo-lhe que precisava que seu pai aceitasse sua homossexualidade para ele mesmo aceitá-la, sua defesa de negação é reforçada pela de seu pai. Era impossível neste momento aceitar esta revelação, feita por um representante do princípio masculino. Mas atualmente não há como fugir ou negar.

Se em outros momentos de sua vida se impôs sacrifícios e penitências para vencer o que não havia como vencer, agora que não pode mais negar a aceitar ser quem realmente é a busca de sua alma de ir ao mais profundo de sua natureza, não o leva à morte. Embora fique muito próximo do limiar do não ser, o que se dá é um “batismo” pelo encontro como seu outro, o Nômade arabe, suas mulheres e sua moto, tão semelhante a Raymond.

Nesse renascimento Zach sai do caminho de identificação com o grupo e pode então se transformar ritualisticamente. Na verdade ele foi tocado por algo que vindo de fora encontrou correspondência em sua alma que, por sua vez, se abriu e foi ao encontro para se deixar tocar.

São as vivencias significativas que nos transformam. Zach, que em sua infância quebrara o disco da coleção de seu pai num momento de raiva, pode encontrá-lo em Jerusalém e devolvê-lo, não sem antes ter tido mais uma revelação: que na sua família os filhos foram batizados com nomes cujas iniciais correspondiam ao título de uma das músicas daquele disco: C.R.A.Z.Y.

Zach finalmente não estava, não era e nem se sentia mais só. Zach sabia-se agora único. Cumprira a jornada heróica de integrar-se em si-mesmo e de reconhecer-se a parte e ao mesmo tempo inserido em seu sistema familiar.

Finalmente poder pertencer e diferenciar-se não seria mais sinônimo de isolamento e exclusão.





Great Movie Moment- CRAZY

Nenhum comentário:

Postar um comentário