imagem: Hulings
No tempo do pra sempre, quando ainda havia traços do sorriso
da criança em meu semblante, quando a novidade nos encantava tanto quanto
espantava, eu a conheci, e por conhecê-la pude me conhecer um pouco mais, e
dividimos tanto o que não precisava racionalizar.
O tempo correu, o mundo foi criando crisálidas em nós, e
algo parece que mudou, como se aquilo que havia de mais bonito em nós,
estivesse então se escondendo, porque foi-se aprendendo que inocência era
qualidade ruim, só para tolos, que Exupéry era coisa de criança, que homens
devem portar-se para tais. Talvez por isso tenhamos nos trancado, talvez por
isso aquilo que mais nos atraiu tenha se esvaído. Pois mesmo não sendo o que
nos ensinavam, mesmo que continuássemos amando Exupéry, nós nos escondemos. Escondidos,
nos perdemos.
Porém a imagem dela era a referência do que eu tinha como
bom. Como há tempos não a via, por instinto, ou saudade, eu fui a sua antiga
casa, casa de nossos dias, lhe chamei, por vezes chamei-lhe o nome, mas não
havia resposta, e dessa ação me veio um pensamento, um pensamento que me tomou
por um arrepio. Não foi uma simples impressão, mas senti, fui tomado, todo o
meu corpo e espírito reagiram a essa idéia:
E se ela não existisse mais?
Foi como um efeito dominó de pensamentos que procediam a
esse, E se ela não existisse mais? E se tudo o que amo, só pertencesse a esse instante,
e cada instante fosse o ultimo? E se realmente ela tivesse deixado de existir,
o que eu iria fazer com tudo o que eu não disse, com tudo o que eu não fiz, com
tudo o que sinto e guardei, com todo o significado que vem se estabelecendo?
Mas esse pensamento, para além da existência dela, foi penetrante,
pois se só tivermos essa chance, e se tudo se cristaliza a cada instante, numa
efemeridade perene. Então mesmo se ela apenas não tivesse me ouvido, ainda
assim cada momento terá sido perdido pelo que deixei de dizer, de dividir... E
não importa o quanto eu dissimule para mim mesmo, dizendo que haverá um momento
posterior para as ações, que há tempo, mas o tempo não nos dá tempo! Cada
momento que passamos perdidos um do outro, foram momentos perdidos de nós
mesmos, daquilo que incubávamos como fonte de vida, como visão de mundo.
Somos finitos, mas nos retraímos com nossas doses de
segurança, e de tanto nos trancarmos, deixamos de amar, nos esvaziamos, nos
perdemos de nossos sentimentos, de quem somos em verdade. Ensinaram-nos muito
bem isso, mas devemos mudar a rota da engrenagem, esse é o único momento pra
mostrar o quanto cada um é importante, o quanto somos capazes de amar.
Esse pensamento me acompanhou, e pude dividir com ela, tive
sorte de poder fazer diferente, de derrubar barreiras. De dizer o quanto me
importa, o quanto de algum modo me reconheço nela, nele, neles, o quanto o que
sou tem referência naquilo que eles são, então até quando esperar para viver,
até quando esperar?
Ferreira
2008/12
imagem: R.Alexandrino
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